Sobre a edição do livro
Quando recebi o original, sem maiores informações a respeito, apenas o li.
E descobri nele pistas de leituras, movimentos de ênfases, entonações variadas, o texto sugeria cenas em um palco. Havia uma sonoridade na construção das ideias. Assim, pude ouvir as palavras e seus entornos. As idas e vindas das reflexões do que ali estava colocado.
Percebi também uma intenção no uso da grafia das letras, em uma lógica interna, dentro das palavras, como códigos de comportamento com significados semióticos e além deles, políticos. O original estava literalmente desenhado. E usamos as páginas primevas da criação no projeto gráfico.
Tentamos emular as tabulações já propostas dentro de uma lógica matemática, assim, padronizamos alguns tamanhos de letras, para não ficar muito poluído, mas respeitando a linguagem original da autora que, em muitos livros vem apresentando esta marca em sua criação.
A proposta da autora ao escrever desta forma é estar em trânsito, em movimento, em não-lugares. E provoca: como falar em movimento estando em movimento? Como falar da busca? Buscando. Durante o processo, fomos absorvendo estas ideias e outras, como o uso de diferentes idiomas, complementando a proposta de identidade universal e anarquista.
Descobri mundos diversos dos meus, na questão pronominal, por exemplo. Sempre bom perguntar antes. “A saliva...” apresenta a linguagem não binárie, utilizada na prática, no diálogo vivo. Descobri que, dentro desta própria linguagem, a ideia central é não ter regra, para não haver erro.
Assim, tivemos de derrubar algumas barreiras imaginárias aqui dentro da editora, no trabalho de construção do livro e na revisão, e aprender que os limites são mesmo imaginários. Criados para cercear e dominar. A língua. O corpo. Os lugares.
mariam está há 24 anos no Brasil, tem 56 anos de idade e sete livros publicados. Escreve em brasileirês e mantém uma coluna na revista Brasil De Fato. Usa um labrys no pescoço. Utilizamos este pequeno objeto de afeto em todo o livro: o símbolo lésbico feminista.
Clô Barcellos